terça-feira, 10 de novembro de 2009

Tião, o trapezista voador - por Caio Augusto Souza Lara


No tempo em que as opções de divertimento eram poucas e a televisão ainda era um artigo de luxo, o circo alegrava os monótonos fins-de-semana das pequenas cidades. Sua chegada era aguardada e causava um rebuliço danado, principalmente na criançada. Com suas melhores roupas, as pessoas saíam da missa e iam direto pra lá, assistir ao espetáculo.
Nesta época, Tião, que ainda era um rapazote, se encantou com o mundo circense. Ficou maravilhado com as luzes, as cores e os movimentos dos trapezistas. Sem perceber, foi enfeitiçado pelo glamour dos artistas que se apresentavam a poucos metros de distância.
Ocorreu-lhe, então, a idéia de abandonar a vida de aprendiz de carpinteiro e se tornar um membro da trupe. Apesar da insistência de sua mãe e de seu pai em desistir da idéia maluca e dos conselhos dos amigos, tomou a decisão de partir junto com o circo. Do conforto de casa, abriu mão para tentar a fama.
Desarmada a tenda, seguiram em viagem pelas Américas. Como não tinha habilidade e não era persistente nos treinamentos, o dono do circo logo o tirou do trapézio. Tentou ser palhaço, mas faltava-lhe naturalidade e suas trapalhadas eram as que menos causavam gargalhadas na platéia. Foi deslocado para a pouquíssima charmosa equipe de montagem da arquibancada e só não foi demitido do circo porque arranjou um romance com a contorcionista, cujo número era o mais aplaudido do espetáculo.
Pensou em voltar pra casa, mas a vergonha de assumir o fracasso não o deixava. Sem oportunidades, em pouco tempo não lhe restou outra opção senão a de tentar a sorte na periferia de uma grande cidade. Começou, então, a passar por dificuldades, mas o sonho de se tornar trapezista ainda permanecia vivo.
Algum tempo depois, próximo a sua casa, no mesmo bairro, se instalou um circo mambembe, que ia de mal a pior. A situação estava tão ruim que o circo teve que vender o leão para o zoológico para pagar os salários atrasados dos poucos artistas que ainda restavam. O coelho do mágico já tinha virado ensopado. Tião enxergou aí a oportunidade que precisava para dar a volta por cima.
_O senhor é que é o dono? – perguntou Tião ao homem na janela do trailer.
_ Diga logo o que queres.
_ Ouvi dizer que o circo está à procura de uma atração principal pra substituir o leão.
_ É verdade. Preciso de um grande número ou o circo vai fechar.
_ Eu tenho a solução! Sou o melhor trapezista da minha terra!– falou o ousado Tião, mesmo sabendo que do lugar onde veio ele era o único trapezista.
_ E de onde você é, homem?
_ Sou de Passa Tempo. No caminho de São Paulo. Sabe onde fica?
_ Já ouvi falar. Não é lá que aparecem uns discos voadores?
_ Lá mesmo. Eles passeiam sempre por lá. Já o circo, há anos não vai nenhum...
Tião, após muita conversa, pegou a confiança do dono do circo e o convenceu a levar seu picadeiro para lá com a promessa de bons lucros. Estava armado o plano: voltaria a sua terra e brilharia como o grande astro do circo. Mostraria para todos que se tornou um artista de primeira grandeza.
● ● ●
_ Alô molecada! Alô papai! Alô mamãe! O circo chegou! Não percam hoje, às dezenove horas, no Estádio do Fita Azul Esporte Clube, a volta triunfal do artista da terra: Sebástian, o Trapezista Voador! – berrava o alto-falante da surrada Veraneio amarela do circo.
Já se passavam três anos da saída de Tião e a notícia de sua volta se alastrou como fofoca. Todos os ingressos foram vendidos antecipadamente. O dono do circo já fazia planos para o dinheiro. Até o padre queria ir, e, para isso, adiou a missa para mais tarde.
_Senhoras e Senhores! Sejam bem-vindos! – Anunciava o dono do circo, que também acumulava as funções de apresentador, palhaço e malabarista.
A platéia estava afoita. Todos queriam ver o filho do marceneiro em ação. A animação era geral no pequeno e lotado circo. Nos fundos, Tião se preparava, vestindo uma roupa de Capitão América adaptada, sem as mangas, que atestava sua forma, ou a falta dela.
_ Esta é uma noite especial. Estaremos de frente para o maior artista da história de Passa Tempo: Sebástian, o Trapezista Voador!
_ Tião! Tião! Tião! – Gritava o povo ensandecido.
Tião, como um herói, entrou no palco e subiu as escadas para o trapézio. Sua família. Seus amigos. Estavam todos lá.
_ Aumentem a altura do trapézio! – esbravejou lá de cima.
A multidão foi à loucura.
_ Cortem as redes de segurança! – ordenou já pensando na fama que viria.
Delírio absoluto.
_ Ti-ão! Ti-ão! Ti-ão! Ti-ão! – Exclamavam todos juntos.
Tião tomou fôlego, estufou o peito, retraiu a barriga e pulou rumo ao outro trapézio que já estava em movimento.
Seu pai cruzou os dedos, sua mãe rezava o terço...
Quando foi tentar o movimento mortal, sua mão não alcançou a vara e ele se espatifou no duro tablado.
A gargalhada foi geral. Mancando e apontando o dedo para a platéia, berrou Tião:
_ Quem rir eu mato! Quem rir eu mato!
E saiu com o orgulho mais ferido que as nádegas.

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