terça-feira, 8 de dezembro de 2009

A Infecção - por Caio Lara

Viver em pequenas cidades tem suas muitas vantagens, mas, em se tratando de saúde, é um risco danado. Há quem pense que não adianta ter sossego, ar puro, segurança, custo de vida menor, se “na hora que o bicho pega” não há onde procurar recurso. Hoje as distâncias estão mais curtas, a modernidade chegou em muitos locais. Mas não muito tempo atrás, quem precisava de um simples exame laboratorial tinha que contar com a boa vontade de outras pessoas e, por que não, com um pouco de sorte.
Os médicos eram poucos e corajosos. Anestesia? Artigo de luxo. Muitas vezes, os poucos veículos que existiam viravam ambulância, transportando os pacientes nas intermináveis e desconfortáveis estradas de terra.
Certa vez, passou mal um fazendeiro importante de Passa Tempo. Tinha dores horríveis no abdômen, ardência e dificuldade enorme para urinar. Mandou logo seus empregados irem buscar ajuda.
Dr. Augusto, o único médico do lugar, pegou carona na charrete da linha de leite e foi acudir o coitado. Chegando lá, diante da falta de material disponível para a coleta da urina e da necessidade iminente de um exame mais detalhado, teve uma idéia: colocar uma garrafa vazia de cachaça em água fervente (para esterilizar) e mandar o paciente urinar ali mesmo. Depois encaminharia ao laboratório mais próximo, em Carmópolis de Minas, a vinte e poucos quilômetros dali.
Naquele dia, não haveria mais locomoção motorizada para a cidade vizinha e o único jeito era mandar um cavaleiro levar. Na falta de um melhor, chamaram o Tonho, que nas horas vagas (e elas eram muitas) não desgrudava da birita. Apesar de seu estado, não poderia perder a chance de ganhar um trocado do fazendeiro pra comprar mais cachaça.
Munido do embornal, com o material do exame devidamente preparado pelo Dr. Augusto, montou em seu inseparável companheiro naquela tarde insuportavelmente quente de verão e partiram para a tortuosa viagem.
Cavalga daqui, cavalga dali, e a cidade não chegava nunca. Seu amigo quadrúpede, desacostumado com a distância, logo começou a tropeçar.
_ Anda logo, cavalo imprestável! – resmungou já prevendo a dificuldade de chegar ao destino no tempo combinado.
Lá pelo quilômetro doze, na metade do caminho, o já cansado cavaleiro se deparou com uma porteira e, ao atravessá-la, a alça do embornal ficou presa num prego e a garrafa foi ao chão, derramando a urina do fazendeiro, sua valiosa encomenda.
Tonho não sabia o que fazer. Se fosse voltar para pegar nova urina do doente, andaria os doze quilômetros já percorridos para voltar, mais vinte e quatro para chegar ao laboratório e ainda outros vinte e quatro para levar o resultado do exame. Seriam sessenta quilômetros encima de um cavalo trotão. Haja lombo pra aguentar!
Fazendo as contas, ficou fácil para ele. Arrumaria uma forma de não ter que voltar. Foi aí que lhe ocorreu a ideia que o pouparia da tortura:
_ Vô resolvê o problema do meu jeito. Não era mijo que tinha na garrafa? Agora vai ter denovo.
Pegou então sua inseparável garrafinha de pinga, deu um trago e jogou o resto fora. Virou-se para o mato, arrancou seu instrumento para fora e encheu o recipiente.
Percorrida a outra metade, procurou na cidade o lugar onde ficava o hospital. Chegando lá, entregou a garrafinha sob o olhar espantado da atendente.
_ É pra fazer o exame do compadre Mauro. O doutô Augusto que mandou assim. – disse o matuto.
Realizado o exame, ficou constatado um número anormal de bactérias presente na amostra. E foi assim que o cavaleiro Tonho ficou sabendo que também tinha infecção de urina.

Qual tipo de conteúdo você gostaria que o blog abordasse?